domingo, 4 de fevereiro de 2024

Sonhei


Sonhei que eu tinha 23 anos. Ou poderia ser hoje em dia, com a vitalidade de 20 anos atrás. Sonhei que reencontrava um dos grandes amores da minha vida. Ele cantando e tocando samba com diversas pessoas, eu bebendo uma cerveja, dançando timidamente e gostando imensamente dali, do som, das pessoas. Me divertia. Achei que ele não me reconheceria, ou se me reconhecesse, não falaria comigo, agora ele tem uma companheira e filhos, nossa diversão do passado tinha ficado pra trás. Num determinado momento do samba e alegria, ele me viu e desde então me olhava diversas vezes. Eu, tímida, abaixava os olhos, desviava, sambava com minhas amigas e amigos. Quando deu o intervalo, ou foi o fim da roda (nos sonhos tudo é tão etéreo), ele, esbanjando alegria como desde antes, falou com a rapaziada, saudou a batucada, foi pegar uma cerveja e esbarrou comigo. Quando nossos corpos se aproximaram, me arrepiei como sempre ficava, mas lembrei dos filhos dele, da minha filha, me aquietei "os tempos são outros" e na conversa de "há quanto tempo" pra lá, "que bom você aqui" pra cá, a atração dos corpos foi magnética e nos beijamos intensa e amorosamente, sem culpa, beijei com a entrega de meus 20 anos. E mais, ele me abraçou, disse coisas lindíssimas, afetuosas, que me embalaram. Eu estava com meu boné do MST - será que era festa do movimento? Eu queria mostrar pra ele que também sou militante, nesses 23 anos fiz várias besteiras, mas não me afastei da luta pelo socialismo, por um mundo mais justo. Ele disse que com boné eu ficava diferente, que não conseguia ver meu cabelo solto, que era tão cheio, que ele gostava tanto e que ajudou ele a se reconhecer também em suas origens afrodescendentes. Eu, tímida, insegura, pensava em tirar o boné para satisfazê-lo, mas não tinha cabelos como antes e não era qualquer boné. Ele saiu, disse que precisava resolver alguma coisa e já voltava, fiquei só, com tanta gente em volta. Tentei encontrar alguém ou o que fazer. Minhas amigas e amigos estavam entrando numa beira de mar com pedras logo ali em frente. Ponderei se entrava, porque ele poderia voltar e não me ver por ali. Ponderei novamente, ele poderia já ter entrado n'água. Ele poderia nem não mais voltar. Me restava saber o que eu queria genuinamente. Mirei aquelas águas cristalinas batendo nas pedras, as pessoas que entravam e saíam se divertiam tanto, eu também podia me divertir, além do que, água salgada é uma benção. Ele não voltava. Acordei. Não sei se ele voltaria ou se demoraria outras décadas. Acordada, me entregava praquela água salgada e sentia a beleza e liberdade de fazer o que se quer.

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