sábado, 1 de outubro de 2011

De Balzac

"Durante a efêmera estação em que a mulher permanece em flor, os caracteres de sua beleza servem admiravelmente bem à dissimulação a que sua natural fraqueza e nossas leis a condenam. Sob o rico colorido de seu rosto fresco, sob o fogo  de seus olhos, sob o conjunto gracioso de suas feições delicadas, com tantos traços retos ou curvos, mas puros e perfeitamente delineados, todas as emoções podem permanecer secretas: o rubor então não revela nada, colorindo um pouco mais cores já bem vivas; toda a luz interior mistura-se tão bem à luz de seus olhos chamejantes de vida, que a chama passageira de um sofrimento aparece neles como um encanto a mais. Por isso nada há de mais discreto que um rosto jovem, porque nada há de mais imóvel. O rosto duma mulher moça tem a calma, o brilho, o frescor da superfície de um lago.
A fisionomia das mulheres só começa a ter significação aos trinta anos. Até essa idade, em seu rosto os pintores só encontram o rosa e o branco, sorrisos e expressões que repetem um mesmo pensamento, pensamento de juventude e de amor, pensamento uniforme e sem profundeza; mas, na velhice, tudo na mulher falou, as paixões se lhe incrustaram no semblante; ela foi amante, esposa, mãe; as mais violentas expressões da alegria e da dor acabaram por lhe alterar, por lhe torturar as feições, estampando-se em mil rugas, cada qual com a sua linguagem; e um rosto de mulher torna-se então sublime de horror, belo de melancolia, ou magnífico de calma; se é permitido prosseguir nessa estranha metáfora, o lago dessecado deixa ver então os traços de todas as torrentes que o produziram; um rosto de mulher velha não pertence então nem mais ao mundo que, frívolo, se espanta de perceber nele a destruição de todas as idéias de elegância a que está habituado, nem aos artistas vulgares que nele nada descobrem, mas aos verdadeiros poetas, àqueles que têm um sentimento do belo independente de todas as convenções em que repousam tantos preconceitos referentes à arte e à beleza."

Honoré de Balzac
"A velhice de uma mãe culpada" - 1844
em A Mulher de Trinta Anos
(tradução de Casimiro Fernandes e Wilson Lousada)

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